Ômega 3: tudo que você precisa saber sobre DHA e EPA
14 de janeiro de 2021 . por Eduardo Oliveira (CRF-PR 22358)
Sabemos cada vez mais que uma boa nutrição é um fator importante para a manutenção de uma boa saúde para homens e mulheres. E dentro deste conceito, as gorduras também exercem funções muito significativas, pois participam de diversos processos metabólicos e fisiológicos do organismo humano.1
Dentre os ácidos graxos mais relevantes , destacam-se as famílias Ômega 3 (ω-3) e Ômega 6 (ω-6).1 Estes ácidos graxos poli-insaturados são substâncias chamadas de “essenciais” pelo fato dos serem humanos não serem capazes de sintetizá-los diretamente, ou seja, é necessário consumi-los por meio da dieta. Quimicamente falando, os mamíferos não conseguem inserir ligações duplas mais próximas que o nono átomo de carbono (D-9 dessaturase), e por isso os Ômegas 3 e 6 não podem ser sintetizados e, consequentemente, devem estar presentes na dieta.
É possível afirmar que os componentes lipídicos, em especial os ácidos graxos, estão presentes nas mais diversas formas de vida, desempenhando importantes funções na estrutura das membranas celulares e nos processos metabólicos. Em humanos, os ácidos graxos das famílias Ômega 3 e Ômega 6 são necessários para manter sob condições normais, as membranas celulares, as funções cerebrais e a transmissão de impulsos nervosos. Esses ácidos graxos também participam da transferência do oxigênio atmosférico para o plasma sanguíneo, da síntese da hemoglobina e da divisão celular.2,3
Há relatos de que vivíamos com uma dieta de ω-6 e ω-3 na razão de 1:1; no entanto, nos dias atuais, a relação desses ácidos graxos na dieta ocidental está em torno de 15-20:1.7 Isto indica que o consumo de alimentos ricos em Ômega 3 está abaixo do que o corpo humano necessita.
No início da década de 1930, o ácido α-linolênico (ALA, 18:3 ω-3) e o ácido linoleico (LA, 18:2 ω-6) começaram a ser identificados e estudados, porém, em humanos, a primeira demonstração destes ácidos graxos foi relatada apenas no início da década de 1980.
O ALA é referido como o precursor essencial dos ácidos graxos poli-insaturados (AGPI) de cadeia longa do tipo Ômega 3, pois é o antecessor metabólico a partir do qual os AGPI de cadeia longa ω-3 são sintetizados, ou seja, originando os ácidos graxos eicosapentaenóico (EPA, 20:5 ω-3) e docosahexaenóico (DHA, 22:6 ω-3). A família desses ácidos graxos é definida pela presença da primeira ligação dupla no terceiro carbono a partir da extremidade da metila do ácido carboxílico.
Figura 1: Metabolismo dos ácidos graxos de cadeia longa.14
Os ácidos graxos poli-insaturados de cadeia longa (AGPI-CL) ω-3, ácido docosahexaenoico (DHA) e ácido eicosapentaenoico (EPA), são componentes críticos para o bom funcionamento do organismo, e seu consumo pela dieta é fundamental, uma vez que o organismo sintetiza esses ácidos graxos em pequenas quantidades a partir do ácido α-linolênico (ALA).
A principal fonte de EPA e DHA corresponde aos pescados, destacando-se os peixes de água fria, mas também é possível encontrá-los em algumas algas marinhas. Há evidências experimentais de que o consumo de ácidos graxos do tipo ômega 3 diminui o risco de doenças crônicas não transmissíveis, tais como doenças cardiovasculares e degenerativas, e que são importantes para o sistema nervoso central.8
A ingestão de óleo de peixe ou de concentrados contendo tanto EPA como DHA resulta em aumento da incorporação de ambos os ácidos graxos em lipídios plasmáticos, uma medida da biodisponibilidade dos compostos administrados. Em seres humanos, níveis estacionários de Ômega 3 no plasma são alcançados dentro de aproximadamente 1 mês, enquanto a incorporação nos eritrócitos, também chamados de hemácias ou glóbulos vermelhos do sangue, (e presumivelmente nos tecidos) exibe uma cinética mais lenta.9,10
Benefícios e Características
O Ômega 3 do tipo DHA (ácido docosahexaenóico) tem importante função na formação, desenvolvimento e funcionamento do cérebro e da retina, sendo predominante na maioria das membranas celulares desses órgãos. Na retina, encontra-se ligado aos fosfolipídios que estão associados à rodopsina, uma proteína que interage no processo de absorção da luz. A diminuição dos níveis desse ácido graxo nos tecidos da retina tem sido associada, em recém-nascidos, com anormalidades no desenvolvimento do sistema visual, e em adultos, com a diminuição da acuidade visual.4,5
Como o DHA é o mais abundante no sistema nervoso central, sendo particularmente concentrado nas membranas plasmáticas sinápticas e nas células fotorreceptoras, é crítico que a incorporação de ácidos graxos ω-3 e ω-6 ocorra durante a embriogênese e os estágios de desenvolvimento pós-natais. Em humanos, esse processo ocorre durante o último trimestre e os primeiros 6-10 meses após o nascimento.14
Por ser altamente insaturado, o DHA atua influenciando as propriedades físicas das membranas cerebrais, as características dos seus receptores, as interações celulares e a atividade enzimática.3 Com o envelhecimento do indivíduo, há um aumento do estresse oxidativo, que atua reduzindo os níveis do DHA e do ácido araquidônico (AA) no cérebro. Esse processo resulta em um aumento na proporção de colesterol no cérebro e ocorre em maior intensidade nas doenças de Alzheimer, Parkinson e na esclerose lateral amiotrófica.6
Os Ômega 3 do tipo EPA e DHA são importantes reguladores da saúde cardiovascular. Vários ensaios clínicos demonstraram que os ácidos graxos Ômega 3 conferem um benefício de sobrevivência na doença cardíaca coronariana (DC), mais recentemente, os ensaios clínicos indicaram que esses ácidos graxos podem melhorar os resultados na insuficiência cardíaca.11
Além dos benefícios ao sistema cardiovascular e ao desenvolvimento cognitivo e visual, estudo também revelam que o consumo de EPA + DHA por seres humanos saudáveis melhora o resultado de infecções causadas por agentes patogênicos extracelulares oportunistas, que induzem uma resposta inflamatória forte e liberam toxinas que prejudicam células e tecidos (P. aeruginosa, S. aureus, H. pylori) ou agentes patogênicos que possuem cápsula (S. pneumonia, E. coli, Streptococcus B), a qual protege o patógeno contra a fagocitose no início da resposta imune inata. Nesses casos, os efeitos benéficos dos ácidos graxos Ômega 3 podem resultar de suas propriedades anti-inflamatórias, que limitam o dano tecidual associado ao patógeno e a resposta inflamatória.13
Alguns autores verificaram que a razão DHA:EPA no plasma é semelhante à da dieta; no entanto, um acúmulo relativamente elevado de DHA foi observado nos lipídios dos tecidos, com uma diferença mais acentuada entre a incorporação de DHA e EPA na fração de fosfolipídios do cérebro. Essas diferenças indicam o metabolismo diferente do DHA e do EPA, bem como mecanismos de transporte específicos para esses ácidos graxos em vários tecidos do organismo.14
Como e quanto devemos consumir?
Os ácidos graxos EPA e DHA podem ser obtidos pela dieta através de diversas fontes, entre elas:
– Marinha: As fontes mais ricas de ω-3 são os peixes e seus derivados. O óleo de peixe (tal como de atum, salmão ou arenque) apresenta níveis estimados entre 862 e 1840 mg/100 g de EPA e DHA. Cabe ressaltar que muitas das variedades mais populares, tais como camarão, badejo, bagre, bacalhau, mariscos, caranguejos, ostras e tilápia, apresentam menor quantidade de DHA.
– Fontes vegetais: As algas são os principais produtores de DHA na cadeia alimentar e algumas fontes de óleo de algas de DHA estão disponíveis para a fortificação de fórmulas infantis e a suplementação de alimentos, com destaque para a microalga Schizochytrium sp.
Diversas organizações de todo o mundo divulgam recomendações de ingestão de EPA e DHA tendo como objetivo a redução do risco de doença coronariana e de triglicerídeos (TG), além de recomendações para consumo de DHA por mulheres grávidas, bebês e vegetarianos. Entretanto ainda não há um consenso referente às concentrações.
As recomendações globais de AGPI ω-3 enfatizam a necessidade urgente de estabelecer um índice diário recomendado (DRI) para esses ácidos graxos, pois as DRI são reconhecidas como o padrão “oficial” pelo qual as agências federais emitem orientações dietéticas ou políticas para a saúde e o bem-estar da população, uma vez que esses ácidos graxos trazem diversos benefícios para a saúde.12
No Brasil, segundo a nova Instrução Normativa Nº 28 da Anvisa, as concentrações de EPA+DHA presentes nos suplementos alimentares podem variar de 37,5 mg até 2,0g ao dia.
Referências:
1. SILVA, A. P.; NASCIMENTO, L.; OSSO, F.; MIZURINI, D.; MARTINEZ, A. M. B.; CARMO, M. G. T. Plasma fatty acids, lipid metabolism and lipoproteins in rats fed on palm oil and partially hydrogenated soybean oil. Rev. Nutr., v. 18, n. 2, p. 229-237, 2005.
2. Youdim KA, Martin A, Joseph JA. Essential fatty acids and the brain: possible health implications. Int J Dev Neurosci. 2000; 18(4/5):383-99.
3. Yehuda S, Rabinovitz S, Carasso RL, Mostofsky DI. The role of polyunsaturated fatty acids in restoring the aging neuronal membrane. Neurobiol Aging. 2002; 23(5):843-53.
4. SanGiovanni JP, Chew EY. The role of omega-3 long chain polyunsaturated fatty acids in heath and disease of the retina. Progr Retin Eye Res. 2005; 24(1):87-138.
5. Chen Y, Hougton LA, Brenna JT, Noy N. Docosahexaenoic acid modulates the interactions of the interphotoreceptor retinoid-binding protein with 11-cis-tetinal. J Biol Chem. 1996; 271(34): 20507-15.
6. Simonian NA, Coyle JT. Oxidative stress in neurodegenerative diseases. Ann Rev Pharmacol Toxicol. 1996; 36(1):83-106.
7. Schumacher MC, Lavena B, Wolkc A, Brendler CB, Ekman P. Do Omega-3 DietaryFatty Acids Lower Prostate Cancer Risk? A Review of the Literature. Curr Urol 2007;1:2-10.
8. Devore EE, Grodstein F, van Rooij FJA, Hofman A, Rosner B, Stampfer MJ, Witteman JCM, Breteler MMB. Dietary intake of fish and omega-3 fatty acids in relation to long-term dementia risk. Am J Clin Nutr 2009;90:170–6.
9. Kopecky J, Rossmeisl M, Flachs P, Kuda O, Brauner P, Jilkova Z, Stankova B, Tvrzicka E, Bryhn M. n-3 PUFA: bioavailability and modulation of adipose tissue function. Proc Nutr Soc 2009; 68(4):361-9.
10. Barceló-Coblijn G and Murphy EJ. Alpha-linolenic acid and its conversion to longer chain n-3 fatty acids: benefits for human heath and a role in maintaining tissue n-3 fatty acids level. Prog Lipid Res 2009; 48: 355-374.
11. O´Connell TD, Block RC, Huang SP, Shearer GC. W3-Polyunsaturated fatty acids for heart failure: effects of dose on efficacy and novel signaling through free fatty acid receptor 4. Mol Cell Cardiol 2017; 103: 74-92.
12. Kris-Etherton PM, Grieger JA, Etherton TD. Dietary reference intakes for DHA and EPA. Prostaglandins Leukot Essent Fatty Acids 2009; 81(2-3): 99-104.
13. Husson MO, Ley D, Portal C, Gottrand M, Hueso T, Desseyn JL, Gottrand F. Modulation of host defence against bacterial and viral infection by omega-3 polyunsaturated fatty acids. J Infect 2016; 73: 523-535.
14. KUS-YAMASHITA, MMM, FILHO, JM. Ácidos graxos. – Série de publicações ILSI Brasil: funções plenamente reconhecidas de nutrientes; v. 17. 2. ed. – São Paulo: ILSI Brasil-International Life Sciences Institute do Brasil, 2017.